sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Do Notório ao Notável

  Eu moro no 5º andar de um prédio
  De uma rua calma,
  Sempre costumo olhar o que se passa
  Lá embaixo.
  Dentre árvores e galhos secos
  Do outono,
  Em que germinam novas vidas
  Que irão prevalecer sobre essa camada
  De vida gasta e disposta a dar passagem
  Para o que realmente deseja viver aqui.

  É quando vejo atravessando
  A passadas serenas o meu amigo Meister,
  Tendo em suas mãos um embrulho,
  Pequeno e que ele sacoleja.

  Atravessa a guarita, dá um oi rápido
  Pro zelador e entra no saguão.
  Aí o perco de vista,
  Deve estar tocando levemente
  O botão do elevador
  E olhando de soslaio
  Pra alguém que possa estar
  Saindo da porta que dá acesso
  Ao estacionamento.
  Esses dias mesmo eu o peguei
  Na piscina conversando
  Com uma garota que estava
  Tentando tomar um bronze
  Numa cadeira de praia.

  Ele é realmente um cara extrovertido.

  Sobe rapidamente
  Os cinco andares do meu prédio
  E lá está ele tocando
  Na minha porta,
  Esperando para que eu a abra
  E que nós dois juntos
  Tenhamos muito trabalho a fazer juntos.
  Não escondo a curiosidade
  Para saber o que tem dentro daquele embrulho
  E ele sem cerimônia alguma,
  Abre na minha frente uma parte
  E diz;
  "Só vim aqui pra entregar-lhe
  Isso, se cuida irmão e logo mais
  Estarei de volta."

  Ele não estando mais ali,
  Sozinho e com o pacote
  Em minhas mãos,
  Pego a xícara de café
  Que milagrosamente
  Tomo
  E me sento na poltrona,
  Abrindo por inteiro aquele pacotinho.

  Tem um rádio portátil.

  Eu sem sono,
  Já passam das cinco da tarde
  De um sábado nublado,
  Sozinho mais uma vez em casa,
  Com uma sensação de tristeza
  E com um aparelho tão obsoleto
  Como aquele em mãos
  Que me trazem velhas recordações,
  Que me fazem mirar o olhar
  Para um canto vazio de casa
  Tendo em vista
  O esquecimento.

  Rádio esse
  Que me faz recordar
  Daquele velho rádio
  Que eu constantemente
  Quando estava em casa com meus pais
  Tocava, girava o botão
  Do volume para um volume
  Que me trouxesse uma satisfação
  Aos ouvidos que queriam um bom rock
  Pautado por aquela voz que me tocasse
  Lá no fundo. Bem no recôndito do
  Âmago.
  Mas agora...
  Bem,
  Tenho o meu I-Phone,
  Lotado de I-Tunes,
  Um bom fone de ouvido
  Ou mesmo o som que se não muito elevado
  Satisfaça a mim e ao conforto
  Que não irá incomodar os vizinhos.
  É isso que me deixa pensativo.
  Essa sensação de não poder mais
  Sentir a textura daqueles botões,
  Nem dos botões do controle remoto
  Que mantinham o ritmo da minha
  Intensa vontade
  De ouvir uma boa música.
  Agora ouço essa mesma música,
  Essa mesma voz,
  Essa mesma banda,
  Através do meu sofisticado
  Aparelhinho.
  Mas essa mesma música agora
  Ouvida através desse aparelhinho
  Só me dá a sensação
  De esquecimento.

  Dois dos meus dedos
  Da mão esquerda percorrem
  Os poucos botões que existem
  Naquele pequeno rádio.

  Quero botar logo
  Aquilo pra funcionar,
  Botar o rock n' roll no volume 18.
  Aí sim, estarei sabendo o que realmente
  Se passa com esse aparelho.
  A acústica de casa deve segurar
  O que ele tem pra me dizer
  Sem promover nenhum segredo
  Confidenciado a quem quer que seja.

  Não sei,
  Mas as vidraças não são mais
  Como antigamente,
  Elas são mais resistentes hoje em dia.
  Num acesso de fúria
  Não se pode jogar o rádio pela janela,
  Além do que isso daria
  O que falar entre os vizinhos,
  Isso daria uma bela duma multa,
  Isso me daria a sensação de dever não cumprido,
  Me daria uma sensação de coisa que se impôs
  E te chamou pra briga,
  Acirrou a situação a ponto de fazê-lo entrar
  Pro combate
  Ou fugir qual covarde que resolve as coisas
  Na pancada e lhe dar aquela velha sensação
  De pai impotente depois duma boa surra
  Na filha mais nova de que
  "Sair na mão nada resolve."

  É bom que eu nunca tenha sido educado
  Dessa maneira mesmo.
  Mas não fingirei que não me passou
  Pela cabeça, quando lia quem realmente
  Fazia e acontecia,
  Pensavam e exteriorizavam
  No limiar da sua indagação existencial
  Dessa forma.

  Barba branca nenhuma vai lhe dar a falsa
  Proteção.
  O hábito não faz o monge, já diz
  A sabedoria popular.
  É um aforismo que não quer calar mesmo.
  Deviam esconder o chapéu naqueles tempos
  Bem fundo ao rosto
  Qual avestruz que se esconde feito
  Moça envergonhada
  Bem no fundo da terra.

  É de envelhecer a alma pensar assim.

  Por isso deixo de lado.
  Depois escuto ele um pouco
  Ao pé da cama,
  Junto com o despertador matinal.

  Caminho até a cozinha.
  Pego dos armários uma embalagem
  De pipoca que inevitavelmente
  Será feita no microondas.
  Que saudade daquela pipoca que fazia
  Na panela.
  Ficava absorto naqueles instantes
  Intermináveis
  De ouvir o barulho da água se evaporando
  De dentro do milho e aquele ploc mágico
  Que me deixava na vontade de pegar
  O tempero,
  Botar algumas pitadas de sal
  E levar num tapuer da sua cor preferida
  E assistirmos a um filme.
  Agora esse sofá que tenho em casa
  Já não é mais aquele sofá de canto
  Que tinha na casa dos meus pais.
  Esse é menor.
  Mas acho bonito o acabamento
  Dele e a forma como ele combina
  Com a poltrona.
  Só de ficar nessa poesia doméstica
  Me traz um déjà-vu.
  Dá vontade de que você estivesse aqui
  Novamente
  E que as coisas fossem como eram antes,
  Que eu pudesse correr ao redor
  Da mesa da sala de jantar
  E que você já cansada fosse se apoiar
  Na cadeira.
  Eu te jogaria no chão como daquelas
  Vezes
  E você rendida
  Rolaria comigo pelo tapete
  De braços estendidos
  Esperando que eu lhe ofertasse
  Beijos, mordidas na orelha,
  Carícias um pouco maliciosas
  E apaixonadas pelo pescoço.
  Tapinhas levados de garoto esperto,
  Sábio da sua sortuda oportunidade.
  E agora caminhando por este
  Apartamento
  Só me traz a sensação
  De ficar rememorando
  Aquilo que eu quero
  Que se torne
  Um esquecimento.

  Eu sinto vontade de ir
  Ao banheiro,
  Vejo-o todo branco
  E me lembro
  Das mãos cansadas e fatigadas
  Da empregada
  Que o limpou pela manhã.
  Não é brincadeira limpar
  Esse apartamento todo
  E depois ter que cuidar da casa
  Filhos, lavar,
  Passar roupa,
  Limpar os ladrilhos,
  Levar o lixo,
  Ser mãe,
  Ser uma companhia agradável
  Para o marido.
  Que vontade tenho de na próxima
  Vez que vê-la beijar
  Aquelas mãos perfumadas
  Com aquele cloro insosso
  Que a vida colocou nela.
  Unhas mal-pintadas
  Porém bem lixadas.
  Cabelo desalinhado,
  Porém corpo
  Ágil,
  Leve,
  Um tanto torto
  De tanto se esgueirar pelos cantos
  À procura do pó tão comum.

  Essa tenacidade
  Que me deixa perplexo às vezes.
  Saber das mazelas pelo meu I-Pad,
  Do que realmente faço agora
  Trancafiado
  Aqui
  Quase sendo comparado
  A Kant,
  Que mal tinha tesão de sair da própria cidade
  E divergia à respeito do que lhe convinha
  Com a maior naturalidade e considerações
  Acadêmicas possíveis.

  Eu entredentes digo,
  Com pedaços daquela pipoca
  Que tem mesmo que artificialmente
  Um delicioso sabor de queijo
  Por entre os dentes,
  Quem esse cara acha que pode enganar?
  É agradável saber que enquanto uns morrem
  Outros nascem já com seus dias contados,
  Num b.o. duma d.p. qualquer
  Com a mãe desesperada
  Ou mesmo morta,
  Cheio de frieza
  Ou com uns pingos de remorso
  Beirando o copo do destino
  Pelo olhar.

  O verdadeiro drama se passa lá fora,
  Depois que o jornal do vizinho
  Do andar de baixo é recebido
  E folheado por aquelas mãos
  De manteiga,
  Guarda-o meio amassado
  Pra virar de enfeite
  Numa prateleira
  Qualquer da sala
  Ou da dispensa,
  Que fica perto do lavabo.

  O meu lar por mais solitário
  Que pareça é um bom abrigo.
  É um porto-seguro
  Que eu sempre procuro.
  Entre a esquina da porta do meu banheiro
  E do corredor que fica na suíte,
  Me recordo
  Das vezes que você fazia pirraça
  E com mangas arregaçadas,
  Shorts curtos
  Mostrando pernas rápidas
  E bem torneadas,
  Pegava pincel e gauche
  E pintava a parede do banheiro,
  O chão,
  Só pra me chamar a atenção.
  O que me dava vontade
  De sair nalguma loja de brinquedos
  Infantis
  E comprar-lhe uma Barbie.
  Te mostrando que nem sempre
  É com aquarela que se precisa
  Pra despertar a libido.
  Bonecas sem roupa
  Mexem com nossa imaginação também.
 
  Tanta imaginação de sobra,
  Tanta informação que vem desse mundo,
  Dessa vida,
  Dessa repercussão desrespeitosa
  Carregada de rancor,
  Carregada de um belo terceiro round,
  Sem protetores de boca,
  Só luva e um punhado de coragem,
  Chamando a sua irmã daqueles palavrões
  Chulos,
  Botando seu sangue pra ferver,
  Mexendo com sua masculinidade,
  Como se ela tivesse sendo tragada
  Do seu recipiente original
  E um agiota a vendesse num leilão
  Qualquer do centro da cidade.

  Já se sentiu assim?
  Eu já.
  A impotência,
  A falta de segurança,
  Os constantes arrastões que fazem em seus lares,
  Não mexem com vocês?

  Mas sou bonito,
  Meu espelho reduz-me a beleza original,
  Meus olhos brilham sinceramente
  Por entre o reflexo dessa lâmpada.

  Os circuitos
  Não entram em curto,
  Nem a blackout
  Nessa mente sã.
  Sei me defender bem.
  Mas a vida é um gigante
  De seus 2 metros
  E ela gosta
  De te tratar bem pra depois te ver na lona,
  Te esquadrinhar,
  Rever suas habilidades num milésimo de segundo,
  Fazer o tira-teima,
  Mostrar seus defeitos,
  Seus movimentos de pés tortos,
  Sem balanço enérgico,
  Ela tem um bom jab de esquerda
  E eu destro que sou
  Sempre volto
  Com os maxilares doendo pra casa.
  É uma surra e tanto achar
  Que dá pra derrotar o saco de peso.

  Tolice pura.
  Pura enganação.
  Coisa de biruta.

  Mas sovado
  Depois de um dia que fui
  Bem espancado por ela,
  Me dá uma sensação
  Já na minha cama
  De esquecimento.

  Cumpri a minha parte,
  Enfrentei o gigante.
  O Colosso de Rodes
  Que ficava lá parado,
  Mas que no mais puro assalto,
  Lhe prega uma emboscada
  E te deixa a seus pés
  Fazendo com que você bata
  As mãos no ringue
  E peça desistência pro juiz.
  Não desistência
  De covarde,
  Que é W.O.
  Mas daquelas belas batalhas
  Que algum aficionado
  Por lutas de pugilistas
  Quer ver chegar até o 12º round.

  Papo sério.
  Coisa de homem.
  Que encara de peito aberto
  A dura realidade
  E recebe com honestidade
  O seu quinhão.
 
  E eu que nem completei
  Meus 21 anos
  Já sei dessa falação
  Toda de cor e salteado,
  Que está impregnada
  Por entre as ruas e muros pixados
  Das travessas mal-iluminadas
  E das paredes das repartições,
  Dos edifícios que só autorizam
  A entrada mediante
  Inspeção,
  Das universidades
  E é claro
  Dos tribunais
  Com suas insondáveis
  Nomenclaturas.

  Sei toda essa baboseira reiterante
  De cor e salteado.

  Ninguém recluso
  E sozinho como eu
  Que só tem a responsabilidade
  De se formar
  E honrar com as dívidas
  Que a rápida emancipação
  Produz,
  Quer impugnar
  A essa gritante dívida
  Que estamos prolongando
  Cada vez mais e mais
  Com o seio dessa fértil terra.

  Agora aguenta,
  Segura as pontas
  Marinheiro de 1º viagem.

  É de se envelhecer a alma assim.

  Eu sei que toda a gratidão
  Que emana carinhosamente da minha alma
  E cala cada palavra de revolta de menino,
  Vai deixar cicatrizes
  Que estancarão
  Esse sangramento
  Causado
  Por esta falsa disritmia
  Que insiste em se manifestar
  Em cada visão que tenho
  Uma hemorragia emocional.
  Dessa fonte não sai mais nada
  Que vá ferir o sentimento de ninguém.
  Não sou do tipo que machuca.
  Mas agora me dá licença
  Tenho sono e esqueci a porta aberta.
  Vou fecha-la.
  Passar o trinco e assobiar
  Coisa que raramente faço,
  A música que meu pai
  Um dia quis que eu lhe cantasse.

  Vou dormir pra espantar
  A insônia
  E sobre o que aprendi hoje
  Com quem rema do
  Lado contrário do meu,
  Só me resta mesmo
  É o esquecimento.

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