Eu moro no 5º andar de um prédio
De uma rua calma,
Sempre costumo olhar o que se passa
Lá embaixo.
Dentre árvores e galhos secos
Do outono,
Em que germinam novas vidas
Que irão prevalecer sobre essa camada
De vida gasta e disposta a dar passagem
Para o que realmente deseja viver aqui.
É quando vejo atravessando
A passadas serenas o meu amigo Meister,
Tendo em suas mãos um embrulho,
Pequeno e que ele sacoleja.
Atravessa a guarita, dá um oi rápido
Pro zelador e entra no saguão.
Aí o perco de vista,
Deve estar tocando levemente
O botão do elevador
E olhando de soslaio
Pra alguém que possa estar
Saindo da porta que dá acesso
Ao estacionamento.
Esses dias mesmo eu o peguei
Na piscina conversando
Com uma garota que estava
Tentando tomar um bronze
Numa cadeira de praia.
Ele é realmente um cara extrovertido.
Sobe rapidamente
Os cinco andares do meu prédio
E lá está ele tocando
Na minha porta,
Esperando para que eu a abra
E que nós dois juntos
Tenhamos muito trabalho a fazer juntos.
Não escondo a curiosidade
Para saber o que tem dentro daquele embrulho
E ele sem cerimônia alguma,
Abre na minha frente uma parte
E diz;
"Só vim aqui pra entregar-lhe
Isso, se cuida irmão e logo mais
Estarei de volta."
Ele não estando mais ali,
Sozinho e com o pacote
Em minhas mãos,
Pego a xícara de café
Que milagrosamente
Tomo
E me sento na poltrona,
Abrindo por inteiro aquele pacotinho.
Tem um rádio portátil.
Eu sem sono,
Já passam das cinco da tarde
De um sábado nublado,
Sozinho mais uma vez em casa,
Com uma sensação de tristeza
E com um aparelho tão obsoleto
Como aquele em mãos
Que me trazem velhas recordações,
Que me fazem mirar o olhar
Para um canto vazio de casa
Tendo em vista
O esquecimento.
Rádio esse
Que me faz recordar
Daquele velho rádio
Que eu constantemente
Quando estava em casa com meus pais
Tocava, girava o botão
Do volume para um volume
Que me trouxesse uma satisfação
Aos ouvidos que queriam um bom rock
Pautado por aquela voz que me tocasse
Lá no fundo. Bem no recôndito do
Âmago.
Mas agora...
Bem,
Tenho o meu I-Phone,
Lotado de I-Tunes,
Um bom fone de ouvido
Ou mesmo o som que se não muito elevado
Satisfaça a mim e ao conforto
Que não irá incomodar os vizinhos.
É isso que me deixa pensativo.
Essa sensação de não poder mais
Sentir a textura daqueles botões,
Nem dos botões do controle remoto
Que mantinham o ritmo da minha
Intensa vontade
De ouvir uma boa música.
Agora ouço essa mesma música,
Essa mesma voz,
Essa mesma banda,
Através do meu sofisticado
Aparelhinho.
Mas essa mesma música agora
Ouvida através desse aparelhinho
Só me dá a sensação
De esquecimento.
Dois dos meus dedos
Da mão esquerda percorrem
Os poucos botões que existem
Naquele pequeno rádio.
Quero botar logo
Aquilo pra funcionar,
Botar o rock n' roll no volume 18.
Aí sim, estarei sabendo o que realmente
Se passa com esse aparelho.
A acústica de casa deve segurar
O que ele tem pra me dizer
Sem promover nenhum segredo
Confidenciado a quem quer que seja.
Não sei,
Mas as vidraças não são mais
Como antigamente,
Elas são mais resistentes hoje em dia.
Num acesso de fúria
Não se pode jogar o rádio pela janela,
Além do que isso daria
O que falar entre os vizinhos,
Isso daria uma bela duma multa,
Isso me daria a sensação de dever não cumprido,
Me daria uma sensação de coisa que se impôs
E te chamou pra briga,
Acirrou a situação a ponto de fazê-lo entrar
Pro combate
Ou fugir qual covarde que resolve as coisas
Na pancada e lhe dar aquela velha sensação
De pai impotente depois duma boa surra
Na filha mais nova de que
"Sair na mão nada resolve."
É bom que eu nunca tenha sido educado
Dessa maneira mesmo.
Mas não fingirei que não me passou
Pela cabeça, quando lia quem realmente
Fazia e acontecia,
Pensavam e exteriorizavam
No limiar da sua indagação existencial
Dessa forma.
Barba branca nenhuma vai lhe dar a falsa
Proteção.
O hábito não faz o monge, já diz
A sabedoria popular.
É um aforismo que não quer calar mesmo.
Deviam esconder o chapéu naqueles tempos
Bem fundo ao rosto
Qual avestruz que se esconde feito
Moça envergonhada
Bem no fundo da terra.
É de envelhecer a alma pensar assim.
Por isso deixo de lado.
Depois escuto ele um pouco
Ao pé da cama,
Junto com o despertador matinal.
Caminho até a cozinha.
Pego dos armários uma embalagem
De pipoca que inevitavelmente
Será feita no microondas.
Que saudade daquela pipoca que fazia
Na panela.
Ficava absorto naqueles instantes
Intermináveis
De ouvir o barulho da água se evaporando
De dentro do milho e aquele ploc mágico
Que me deixava na vontade de pegar
O tempero,
Botar algumas pitadas de sal
E levar num tapuer da sua cor preferida
E assistirmos a um filme.
Agora esse sofá que tenho em casa
Já não é mais aquele sofá de canto
Que tinha na casa dos meus pais.
Esse é menor.
Mas acho bonito o acabamento
Dele e a forma como ele combina
Com a poltrona.
Só de ficar nessa poesia doméstica
Me traz um déjà-vu.
Dá vontade de que você estivesse aqui
Novamente
E que as coisas fossem como eram antes,
Que eu pudesse correr ao redor
Da mesa da sala de jantar
E que você já cansada fosse se apoiar
Na cadeira.
Eu te jogaria no chão como daquelas
Vezes
E você rendida
Rolaria comigo pelo tapete
De braços estendidos
Esperando que eu lhe ofertasse
Beijos, mordidas na orelha,
Carícias um pouco maliciosas
E apaixonadas pelo pescoço.
Tapinhas levados de garoto esperto,
Sábio da sua sortuda oportunidade.
E agora caminhando por este
Apartamento
Só me traz a sensação
De ficar rememorando
Aquilo que eu quero
Que se torne
Um esquecimento.
Eu sinto vontade de ir
Ao banheiro,
Vejo-o todo branco
E me lembro
Das mãos cansadas e fatigadas
Da empregada
Que o limpou pela manhã.
Não é brincadeira limpar
Esse apartamento todo
E depois ter que cuidar da casa
Filhos, lavar,
Passar roupa,
Limpar os ladrilhos,
Levar o lixo,
Ser mãe,
Ser uma companhia agradável
Para o marido.
Que vontade tenho de na próxima
Vez que vê-la beijar
Aquelas mãos perfumadas
Com aquele cloro insosso
Que a vida colocou nela.
Unhas mal-pintadas
Porém bem lixadas.
Cabelo desalinhado,
Porém corpo
Ágil,
Leve,
Um tanto torto
De tanto se esgueirar pelos cantos
À procura do pó tão comum.
Essa tenacidade
Que me deixa perplexo às vezes.
Saber das mazelas pelo meu I-Pad,
Do que realmente faço agora
Trancafiado
Aqui
Quase sendo comparado
A Kant,
Que mal tinha tesão de sair da própria cidade
E divergia à respeito do que lhe convinha
Com a maior naturalidade e considerações
Acadêmicas possíveis.
Eu entredentes digo,
Com pedaços daquela pipoca
Que tem mesmo que artificialmente
Um delicioso sabor de queijo
Por entre os dentes,
Quem esse cara acha que pode enganar?
É agradável saber que enquanto uns morrem
Outros nascem já com seus dias contados,
Num b.o. duma d.p. qualquer
Com a mãe desesperada
Ou mesmo morta,
Cheio de frieza
Ou com uns pingos de remorso
Beirando o copo do destino
Pelo olhar.
O verdadeiro drama se passa lá fora,
Depois que o jornal do vizinho
Do andar de baixo é recebido
E folheado por aquelas mãos
De manteiga,
Guarda-o meio amassado
Pra virar de enfeite
Numa prateleira
Qualquer da sala
Ou da dispensa,
Que fica perto do lavabo.
O meu lar por mais solitário
Que pareça é um bom abrigo.
É um porto-seguro
Que eu sempre procuro.
Entre a esquina da porta do meu banheiro
E do corredor que fica na suíte,
Me recordo
Das vezes que você fazia pirraça
E com mangas arregaçadas,
Shorts curtos
Mostrando pernas rápidas
E bem torneadas,
Pegava pincel e gauche
E pintava a parede do banheiro,
O chão,
Só pra me chamar a atenção.
O que me dava vontade
De sair nalguma loja de brinquedos
Infantis
E comprar-lhe uma Barbie.
Te mostrando que nem sempre
É com aquarela que se precisa
Pra despertar a libido.
Bonecas sem roupa
Mexem com nossa imaginação também.
Tanta imaginação de sobra,
Tanta informação que vem desse mundo,
Dessa vida,
Dessa repercussão desrespeitosa
Carregada de rancor,
Carregada de um belo terceiro round,
Sem protetores de boca,
Só luva e um punhado de coragem,
Chamando a sua irmã daqueles palavrões
Chulos,
Botando seu sangue pra ferver,
Mexendo com sua masculinidade,
Como se ela tivesse sendo tragada
Do seu recipiente original
E um agiota a vendesse num leilão
Qualquer do centro da cidade.
Já se sentiu assim?
Eu já.
A impotência,
A falta de segurança,
Os constantes arrastões que fazem em seus lares,
Não mexem com vocês?
Mas sou bonito,
Meu espelho reduz-me a beleza original,
Meus olhos brilham sinceramente
Por entre o reflexo dessa lâmpada.
Os circuitos
Não entram em curto,
Nem a blackout
Nessa mente sã.
Sei me defender bem.
Mas a vida é um gigante
De seus 2 metros
E ela gosta
De te tratar bem pra depois te ver na lona,
Te esquadrinhar,
Rever suas habilidades num milésimo de segundo,
Fazer o tira-teima,
Mostrar seus defeitos,
Seus movimentos de pés tortos,
Sem balanço enérgico,
Ela tem um bom jab de esquerda
E eu destro que sou
Sempre volto
Com os maxilares doendo pra casa.
É uma surra e tanto achar
Que dá pra derrotar o saco de peso.
Tolice pura.
Pura enganação.
Coisa de biruta.
Mas sovado
Depois de um dia que fui
Bem espancado por ela,
Me dá uma sensação
Já na minha cama
De esquecimento.
Cumpri a minha parte,
Enfrentei o gigante.
O Colosso de Rodes
Que ficava lá parado,
Mas que no mais puro assalto,
Lhe prega uma emboscada
E te deixa a seus pés
Fazendo com que você bata
As mãos no ringue
E peça desistência pro juiz.
Não desistência
De covarde,
Que é W.O.
Mas daquelas belas batalhas
Que algum aficionado
Por lutas de pugilistas
Quer ver chegar até o 12º round.
Papo sério.
Coisa de homem.
Que encara de peito aberto
A dura realidade
E recebe com honestidade
O seu quinhão.
E eu que nem completei
Meus 21 anos
Já sei dessa falação
Toda de cor e salteado,
Que está impregnada
Por entre as ruas e muros pixados
Das travessas mal-iluminadas
E das paredes das repartições,
Dos edifícios que só autorizam
A entrada mediante
Inspeção,
Das universidades
E é claro
Dos tribunais
Com suas insondáveis
Nomenclaturas.
Sei toda essa baboseira reiterante
De cor e salteado.
Ninguém recluso
E sozinho como eu
Que só tem a responsabilidade
De se formar
E honrar com as dívidas
Que a rápida emancipação
Produz,
Quer impugnar
A essa gritante dívida
Que estamos prolongando
Cada vez mais e mais
Com o seio dessa fértil terra.
Agora aguenta,
Segura as pontas
Marinheiro de 1º viagem.
É de se envelhecer a alma assim.
Eu sei que toda a gratidão
Que emana carinhosamente da minha alma
E cala cada palavra de revolta de menino,
Vai deixar cicatrizes
Que estancarão
Esse sangramento
Causado
Por esta falsa disritmia
Que insiste em se manifestar
Em cada visão que tenho
Uma hemorragia emocional.
Dessa fonte não sai mais nada
Que vá ferir o sentimento de ninguém.
Não sou do tipo que machuca.
Mas agora me dá licença
Tenho sono e esqueci a porta aberta.
Vou fecha-la.
Passar o trinco e assobiar
Coisa que raramente faço,
A música que meu pai
Um dia quis que eu lhe cantasse.
Vou dormir pra espantar
A insônia
E sobre o que aprendi hoje
Com quem rema do
Lado contrário do meu,
Só me resta mesmo
É o esquecimento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário